Passe caro

12jun13

O passe livre nos ônibus, bandeira do movimento que vem promovendo uma série de protestos em São Paulo, é uma ideia tão simpática e bem intencionada quanto tola.

Em primeiro lugar, porque a passagem pode até ser livre, mas não é de graça. Nos cálculos do prefeito Fernando Haddad, a viagem custaria aos cofres públicos uns 6 bilhões de reais por ano. É quase o que a Prefeitura prevê gastar com saúde em 2013.

Dá para concluir que o recurso faz mais falta e teria melhor destino em áreas sensíveis para as populações mais carentes, sobretudo saúde e educação, nas quais, via de regra, a qualidade do serviço público é lastimável.

Em segundo lugar, porque subsidiar integral e indiscriminadamente a passagem do ônibus é uma política ruim do ponto de vista da distribuição da renda. Na prática, implica em dar dinheiro para quem não precisa.

Muitos usuários do transporte público efetivamente podem pagar pela própria passagem, e outros tantos recebem o vale-transporte do empregador. É mais óbvio concentrar a ajuda a quem não pode pagar – desempregados e estudantes de baixa renda, deficientes, aposentados –, o que, em parte, já é feito. Custa menos, libera recursos para outras áreas e cumpre sua função prioritária.

Finalmente, é equivocada a tese de que o passe livre funciona como uma política de estímulo ao transporte público em detrimento do carro. Ninguém troca o ônibus e o metrô pelo veículo particular por que o bilhete é caro, mas porque o transporte público é ruim ou insuficiente.

Mesmo com todo o apelo do automóvel, há uma enorme e crescente demanda reprimida por transporte público, que só não se efetiva por falta de oferta. Atrair mais passageiros para o sistema por meio de estímulos financeiros, sem a contrapartida do investimento na expansão e em qualidade, apenas agravaria os já sérios problemas de superlotação.

Logo, se o objetivo é fomentar o transporte público – o que deveria ser prioridade em São Paulo –faz muito mais sentido investir os 6 bilhões em novas linhas de metrô, corredores eficientes e ônibus mais seguros e confortáveis do que em pagar a passagem do usuário. Talvez não tenha o mesmo apelo político, mas aí é outra história.

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Independentemente de quem seja o escolhido para ocupar o Trono de São Pedro no lugar de Bento XVI, as chances de uma mudança significativa nos rumos da Igreja Católica no próximo papado são ínfimas. Não há qualquer sinal de que a instituição esteja minimamente inclinada a ouvir os clamores por uma reforma em assuntos como o uso da camisinha, o sexo extraconjugal ou o casamento gay.

Ao contrário do que se costuma afirmar, as razões da decadência católica têm pouco a ver com o conservadorismo da igreja nessas questões. Não me parece que massas de fiéis estejam abandonando a instituição ou constituindo grupos de oposição por discordarem de suas bases teológicas. A crítica ao Vaticano vem principalmente de fora, dos meios seculares, de gente que possivelmente nunca foi a uma missa.

É provável que sua sangria esteja mais relacionada a um processo natural de secularização das sociedades ditas modernas, nas quais o espaço para Deus (qualquer deus) e as coisas ligadas à religião é cada vez mais estreito, do que ao seu conservadorismo propriamente dito.

Vale lembrar que os movimentos neopentecostais emergiram com força em países como o Brasil defendendo (frequentemente, com mais estridência) posições semelhantes às da igreja católica, distinguindo-se muito mais pela forma do que pelo conteúdo da mensagem. É a razão pela qual a renovação carismática, mesmo fiel às orientações do papa, tem obtido algum êxito.

O que se observa nesses meios é uma crescente e notável capacidade de acomodação, por parte dos fieis, das contradições entre as determinações de sua fé e a maneira como efetivamente conduzem a vida, sobretudo na esfera da sexualidade. Para estes, a religião possui uma característica crescentemente auxiliar e utilitária. Vale para as comunidades evangélicas e, ainda mais, para a Igreja Católica (não se imagina que os mais de dois terços de brasileiros que se dizem católicos estejam efetivamente preocupados em seguir a doutrina de Roma).

O que a Igreja Católica pretende, ao colocar a ideia da “defesa da família” no centro da sua mensagem, é representar, aglutinar e legitimar os interesses dos setores conservadores da sociedade, de modo a manter-se politicamente influente no mundo (muito mais do que se se engajasse em questões universais como a paz no Oriente Médio ou o fim da fome na África, mais cristãs em sua essência).

A defesa de um determinado modo de vida, supostamente ameaçado ou relativizado por novas formas de organização familiar, por exemplo, é uma das últimas fronteiras visíveis onde a igreja consegue ser um agente minimamente relevante para um grande número de pessoas, sem o que poderia se esvaziar completamente. Desse ponto de vista, a posição hostil da igreja ao casamento gay é muito mais uma estratégia de sobrevivência do que a causa de seu enfraquecimento.


Pesos e medidas

15out12

Há uma mistura de ingenuidade e cinismo nas celebrações em torno da condenação da cúpula do Partido dos Trabalhadores pelo Supremo Tribunal Federal.

Os adversários do PT, obviamente, têm muito a comemorar com a sentença. Não apenas porque ela macula definitivamente a história de um partido que fez da ética uma de suas principais bandeiras eleitorais, mas, sobretudo, porque expia os pecados de todos os demais.

Basta lembrar que nenhum partido em toda a história republicana teve sua cúpula condenada pela Justiça. O PT será o primeiro. Um argumento forte, é preciso convir.

Trata-se, no entanto, de uma injustiça em termos históricos, exceto para os que realmente acreditam que os petistas inauguraram a corrupção no Brasil, de um lado, e para os interessados em explorar politicamente o factoide, do outro. Ingênuos e cínicos.

Há quem entenda que a condenação dos mensaleiros reflete o processo de amadurecimento das instituições no Brasil e simboliza o fim de uma era em que a impunidade dos que estão no poder é a única certeza.

É um voto de confiança possível. A aplicação da lei da Ficha Limpa nestas eleições, com a impugnação de centenas de candidaturas, favorece tal argumento. Aqui e acolá brotam sinais de que algumas coisas estão mudando para melhor, ainda que timidamente.

Mas é impossível receber tal ideia sem algum grau de ceticismo. São grandes as chances de o julgamento do mensalão ter sido um episódio isolado, excepcional na história brasileira, decisivamente influenciando por uma conjuntura política.

Definitivamente, não corroboro a tese alardeada pelo PT e seus simpatizantes de que José Dirceu e companhia foram vítimas de um julgamento político, sem sustentação técnica. Os crimes por eles praticados parecem suficientemente esclarecidos.

Mas parece evidente que o processo só vingou porque houve um engajamento sem precedentes por parte de setores influentes da sociedade para que isso acontecesse e que tal engajamento parece ser mais o resultado de um luta política do que de um súbito despertar cívico.

É a tese dos “dois pesos, duas medidas”, não minha, mas do próprio presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, de quem não me encontro em posição de discordar. Talvez seja a melhor explicação para o fato de apenas o processo do mensalão, entre dezenas de grandes escândalos de corrupção nos últimos 20 anos, ter chegado ao fim.

Os réus do mensalão devem pagar por seus crimes, mas não devem ser os únicos. Parece óbvio, mas muita gente não vê – ou, convenientemente, prefere esconder: a fila no Brasil é um pouco mais extensa.


 

Uma recente discussão de boteco com amigos sobre o fundamento lógico das crenças (na verdade, de uma crença) me levou a uma conclusão tardia, embora óbvia. Efetivamente, não há espaço para Deus em qualquer perspectiva racional.

Não existe evidência científica da existência divina, da vida após a morte ou de eventos extraordinários assim definidos como milagres, como tampouco há fundamentos concretos capazes de justificar a influência dos astros sobre o comportamento das pessoas ou algo que o valha.

Contudo, há inegavelmente muitas coisas sobre as quais o homem sabe assustadoramente pouco ou nada. Uma esfera de conhecimento à qual o método científico não tem acesso e sobre a qual a sociologia é absolutamente ignorante. E uma insaciável necessidade de transcender que você pode chamar de fé.

De fato, esse é um terreno fértil para manipulações, construção de projetos de poder e sistemas de controle, opressões cruéis, intolerância e conflito, corrupção, abuso e charlatanismos de toda ordem – uns, caricaturalmente escancarados, outros sutis e, por isso, mais perigosos. Podemos falar sobre tudo isso depois.

Mas nem o mais cético e calejado dos indivíduos pode negar. No quebra-cabeça cósmico da existência, há uma peça crucial faltando. Uma fronteira desconhecida e silenciosa, delimitada pelos limites das ciências naturais e, portanto, inacessível para elas.

Daí por que sou muito mais simpático aos agnósticos, que admitem haver, dos que aos ateus, para os quais nada há além das dimensões conhecidas e devidamente exploradas. Em termos práticos, é impossível atestar a inexistência do que não se conhece, mesmo sendo obrigado a concordar que, neste caso, o ônus esteja com quem tenta provar o contrário.

Talvez o maior equívoco cometido pelas grandes religiões (e não foram poucos) em resposta ao humanismo tenha sido justamente tentar provar-se uma verdade absoluta.

O cristianismo, em particular, vive a patrocinar esforços constrangedores no sentido de impor suas verdades supostamente históricas, seja a de que o mundo foi criado em sete dias (na verdade seis, porque no sétimo o Senhor descansou) ou a de que Noé construiu uma arca suficientemente grande para comportar um casal de cada espécie animal durante o dilúvio.

Ao submeter-se a essa leitura literal e geométrica dos relatos, esvaziou-se de todo seu simbolismo e metáfora, sacrificou seu caráter místico e, sobretudo, perdeu a capacidade de compreender o mundo em sua própria linguagem e encontrar, mais do que respostas para as grandes perguntas, uma noção de sentido para a vida.

Por isso, sou cada vez mais tentado a acreditar que o lugar de qualquer crença é ao lado das artes, da filosofia, da poesia e suas alegorias, do que é belo, completa, encanta e assombra a alma. Sua verdade é necessariamente relativa, interna e, sobretudo, existencial. Nem mais nem menos importante do que a verdade científica, apenas pertencente a outro mundo.

Toda essa digressão para dizer aos amigos da referida discussão de boteco: não, não há nenhum fundamento lógico. Mas deveria haver?


Tudo começou com uma discussão sobre o ex-jogador Sócrates. Um jornalista com décadas de profissão se levanta e lança o argumento que pretende encerrar a questão sobre as razões de sua popularidade: “a simpatia por Sócrates só se justifica por razões puramente ideológicas”, sentenciou. 

Fui obrigado a concordar, mas não digeri o argumento subjacente. Afinal, por que as tais “razões puramente ideológicas” deveriam ser um problema?

“Ideológico” tornou-se um adjetivo desabonador nos dias de hoje, um rótulo rapidamente usado para desqualificar opiniões e pessoas supostamente incapazes de se enquadrar e aceitar a verdade científica, concreta e inalienável das coisas em prol de um conjunto de dogmas qualquer.

A ordem é ser “pragmático”, como se o pragmatismo não fosse, ele próprio, a essência da ideologia hoje hegemônica. De fato, uma das grandes conquistas do pensamento liberal-conservador em sua batalha pelas mentes e corações foi ser capaz de se despir de seu caráter ideológico e se apresentar como uma ordem natural, lógica e neutra.

Uma ordem que está dada desde os primórdios e deve ser preservada, sob o risco de se corromperem instituições tidas como sagradas e se estabelecer o caos. Por isso, quem ousa pregar algum tipo de subversão deve naturalmente ser visto como ameaça.

O objetivo de quem dá as cartas nesse jogo é muito simples: esconder as relações de poder e interesse por trás de questões supostamente “técnicas”, sobretudo aquelas ligadas à gestão da economia.

Só que a lógica da eficiência e da maximização de resultados extrapola os limites econômicos e se faz perceber em qualquer área da vida cotidiana, da literatura à religião ou ao futebol, com maior ou menor intensidade.

Nesse ambiente, o componente estritamente político-ideológico das coisas não se manifesta e, quando o faz, é rechaçado. Por isso movimentos políticos e sociais são frequentemente acusados de “ideologizar” ou “dogmatizar” temas como a exploração da terra, a desigualdade social ou a preservação do meio ambiente.

Não é à toa que na Europa políticos de carreira caiam e deem lugar a burocratas. O argumento, repetido à exaustão, é que a solução para a crise esbarra no “obstáculo político”, ou seja, na necessidade dos governantes democraticamente eleitos de se justificarem perante suas populações por decisões que comprometem o bem-estar e contrariam os interesses da maioria.

Só que toda decisão é política, à medida que pressupõe uma escolha entre quem ganha e quem perde. E a melhor maneira de justificar certas escolhas é fazer uso de um aparato ideológico que não possa ser combatido como tal: o aclamado “embasamento técnico”. Foi o que permitiu que os ricos dos países desenvolvidos fossem privilegiados por políticas tributárias regressivas nas últimas décadas sem despertar convulsões sociais.

O que resta desse esvaziamento ideológico é o desalento da sociedade com a política como instrumento de mediação de poder, o que significa abrir caminho para que interesses econômicos se imponham sem qualquer forma de resistência. Mais do que isso, a sensação de que não resta nada pelo que valha a pena lutar.


Uma das piores características associadas à igreja, um ambiente que conheci razoavelmente bem, é a incapacidade de discutir idéias e a intolerância ao debate. Fundamentalistas religiosos resistem a qualquer possibilidade de diálogo, rejeitam questionamentos, rotulam e atacam seus adversários. São incapazes de relativizar, ver em perspectiva, conceber outras visões, leituras e matizes. Para eles, há o certo e o errado, e qualquer coisa que pretenda se colocar entre os dois deve ser imediatamente rechaçada.

O fundamentalismo religioso é compreensível em alguns aspectos. Pode ser visto como estratégia de defesa da fé, do sentimento de unidade e do fervor coletivo, sem os quais uma crença perde poder de mobilização. Trata-se de uma dinâmica interna, circular. Refutável, mas compreensível.

Difícil é entender como esse padrão de comportamento é reproduzido em ambientes que, em oposição às instituições religiosas, deveriam mais ser abertos, arejados, acessíveis e democráticos. Basta ver o tom das últimas grandes discussões que pautaram as redes sociais e a imprensa.

Quer tratemos da invasão dos estudantes à reitoria da USP, da campanha para que Lula se trate no SUS ou dos escândalos de corrupção no governo federal, saltam aos olhos a estridência dos discursos, a polarização das posições, os estigmas e o ódio mútuo no conteúdo das mensagens.

Impossível não haver radicalizações, e não desejá-las até, em um mundo marcado por desigualdades e injustiças intoleráveis. Todo mundo é diferente, e nada mais natural que das diferenças emirjam conflitos. A raiz do radicalismo a que me refiro é outra; é religiosa.

É a necessidade quase desesperada de gente mais ou menos intelectualizada de marcar posição, escolher um lado e pertencer a um grupo que possa ser mobilizado e distinguido em uma época em que os limites entre direita e esquerda, liberalismo e conservadorismo, são muitíssimo menos claros do que nos anos 1960. Vivemos tempos em que tudo se mistura, se confunde e se contradiz.

Daí decorre, imagino, a reação que transforma o simples cumprimento de uma ordem judicial em “ameaça à democracia e à liberdade de opinião” e um estudante flagrado fumando maconha em “ameaça à ordem pública e aos bons costumes”.

O debate perde o prumo e o tempo, desconecta-se da realidade. Ganha quem grita mais alto – e ouve menos. Sem maturidade e, sobretudo, honestidade intelectual, as idéias logo se transformam em dogmas tão rígidos e intocáveis como o nascimento virginal de Cristo para os cristãos. Questioná-las é tarefa para os hereges, e os hereges devem ser apedrejados.

A consequência é que temos, nas nossas catedrais seculares, uma legião de pastores pregando para convertidos, com chances apenas marginais de troca com o mundo exterior (no máximo, algumas conversões de gente em busca de um grupo para se afirmar).

A ordem é: frequente apenas as comunidades, siga apenas as pessoas e leia apenas os autores que ecoem as idéias com as quais você se identifica. Assim não terá o risco de conviver com marxistas que admitam a hipótese de o capitalismo ter produzido incontáveis avanços, eleitores de Lula que reconheçam o legado de FHC ou cristãos dispostos a aceitar a teoria da evolução e a homossexualidade.

Uma opção preguiçosa, mas segura.


11/09

11set11

A essa altura todo mundo já deve estar bem saturado da avalanche de homenagens, documentários, análises, crônicas e narrativas melodramáticas sobre os ataques de 11 de setembro de 2001.

Já sacou que a queda do WTC mudou “para sempre” a história, deu início à famigerada “Guerra ao Terror” ou à “guerra permanente”, que foi o evento “definidor” da última década, instalou o medo e, de algum modo, marcou o “início do fim” da hegemonia americana no mundo.

Já foi instigado a se lembrar do que fazia no exato momento em que os aviões atingiram as Torres Gêmes, da inigualável sensação de testemunhar um acontecimento histórico, do misto de horror, paralisia e excitação que tomou conta das pessoas mundo afora.

Viu e reviu, algumas dezenas de vezes, as imagens cinematográficas do desastre, as pessoas se jogando do alto para não morrerem queimadas, e a imponente construção de aço e concreto transformando-se em uma nuvem de poeira a perseguir os que estavam no chão.

Leu outras dezenas de análises conciliando expressões como terrorismo, islã, opressão, liberdade, segurança, democracia, intolerância e imperialismo, com conclusões variadas e ao gosto do leitor e suas inclinações ideológicas.

Ao fim disso tudo, parece não restar nada além de um vazio.

O mesmo vazio que emerge da morte de milhares de crianças pela fome na Somália, neste momento. Ou do massacre de muçulmanos, na Bósnia, e de mais de um milhão de tutsis, em Ruanda, na década passada (eventos talvez ignorados pela maioria das pessoas).

Nada além de um vazio. Exceto uma profunda e silenciosa descrença no homem.


As chuvas e ventos de ontem à noite derrubaram a luz, e não pude ver um lance sequer da despedida de Ronaldo dos gramados.

Lamentei o fato ainda enquanto caçava, em vão, as velas e fósforos perdidos nas gavetas abarrotadas de velharias. Os celulares foram a única fonte de claridade, enquanto as baterias resistiram.

Lá pelas tantas me conformei com a falta de velas, fósforos e futebol na TV. E concluí que, na verdade, não estava perdendo nada que já não tivesse visto.

Ronaldo despediu-se do futebol há tempos, aos poucos e de modo melancólico.

Ontem deu adeus à Seleção que nunca mais, desde o fiasco de 2006, quis saber do Fenômeno. Terminou um namoro que já estava acabado, por assim dizer.

Logo me pus a pensar na festa pobre armada pela CBF, nas claques, nos elogios ufanistas do amigo Galvão e no próprio Ronaldo, uma caricatura medonha do atleta que foi.

Intuí que a despedida de um dos maiores atacantes dos últimos tempos deve ter sido um evento triste (corrijam-me se estiver errado).

Ronaldo certamente não precisava disso. Mas, talvez convencido pelo marketing da superação – essa coisa gasta de cair e dar a volta por cima, de ser brasileiro e não desistir nunca – passou e muito da hora de parar.

Ao se dispor a jogar com mais de 100 quilos, virou motivo de chacota ou, na melhor das hipóteses, compaixão. 

De repente, me lembrei da genial despedida de seu amigo Zidane que, com um único gesto, em plena final da Copa do Mundo, mandou às favas o mundo do futebol.

Ao dar aquela cabeçada no peito de Materazzi, Zidane ignorou solenemente os interesses que o cercavam, a importância de uma Copa do Mundo, a grana dos anunciantes, os cartolas e sua politicagem, o fair-play da Fifa, as homenagens hipócritas nas semanas subsequentes, o título de melhor do mundo, os elogios do Galvão Bueno e a expectativa de bilhões de espectadores.

Fez o que achou certo e ainda declarou, dias depois, que preferia morrer a pedir desculpas. Isso se chama orgulho.

Foi exatamente o que faltou a Ronaldo.


Barack Obama fez na semana passada um interessante discurso sobre a relação de forças entre Estados Unidos, Europa e os países emergentes, especificamente Brasil, China e Índia.

Basicamente, defendeu que, a despeito do forte crescimento de suas economias, nenhum dos neófitos citados está preparado para assumir a liderança desempenhada hoje por norte-americanos e europeus.

“Há quem acredite que tal crescimento virá junto com a decadência inevitável da influência de nossos países no mundo. Há quem diga que essas nações são o futuro e nós, o passado, mas isso está errado. O tempo para nossa liderança é agora”, afirmou Obama.

De fato, ninguém acredita que a China, a desbancar os EUA como maior economia até o fim da década, esteja perto de fazer algo semelhante sob os aspectos político e militar.

Índia e, principalmente, Brasil talvez nunca estejam. 

Ao explicar o porquê, Obama parece falar em particular a nós, brasileiros: “A prosperidade duradoura não vem do que uma nação consome, mas do que produz e de quais investimentos faz em sua gente e infraestrutura.”

Por este raciocínio, o Brasil pode até ser um mercado promissor, mas ainda está longe de ser um país desenvolvido.

Só posso concordar.


Os quase 30

24maio11

Dois dias atrás publiquei aqui o link para a versão brasileira de “I don´t want to grow up”, dos Ramones. Hoje, coloco mais um traço na lousa. Agora, são 29.

A gente lamenta, resmunga, esperneia e ousa até negar, mas crescer é inevitável. Cantar “eu não quero crescer” é um ato de protesto legítimo, mas do qual não se pode esperar muito.

De todo modo, os quase 30 fazem pensar. Você ainda é jovem, sente que tem a vida pela frente e vigor para vivê-la, mas coleciona cada vez mais evidências de que não tem mais 18 anos.

Cada vez mais, assume responsabilidades, lida com problemas e faz escolhas de gente grande. Enfrenta pressões crescentes e uma enorme pressão para não errar. Talvez por isso mesmo, fica mais nostálgico em relação à infância, aos anos de colégio, aos amigos de faculdade.  E, quando tenta revisitá-los, descobre que não estão mais lá.

Ao menos, claro, não da maneira que você se lembrava. Talvez este seja o ponto-chave: as coisas, pessoas e experiências têm um significado particular intrínseco ao tempo em que são vividas. Poucas, pouquíssimas, se eternizam. As demais viram simpáticas peças de museu.

Os quase 30 são um bom momento para sacar isso. De repente, percebe-se que a vida, cavalheira, lhe oferece novos prazeres e possibilidades.

Você descobre que a sorte de um amor tranqüilo, com o tal gosto de fruta mordida, pode ser mais gostoso que muitos arroubos de paixão; que cozinhar um risoto de funghi a dois, saboreando uma boa garrafa de vinho, pode ser mais divertido que o restaurante da moda; que reunir os amigos no domingo à tarde faz mais sentido que espremê-los em alguma balada madrugada a dentro;  e que comprar a sua casa, preciso dizer, dá um orgulho danado!

Aprende que a vida está aí para ser vivida (argh, desculpem o clichê). Mas, sobretudo, que isso tem muito pouco a ver com nunca crescer.